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O auge da institucionalização evangélica na Argentina
Por David Tigani
Há algum tempo atrás, à poucos meses de haver-se celebrado eleições na Argentina, chegou no meu e-mail um dos vários boletins cristãos que circulam pela web ("Noti Prensa"), com uma notícia que dizia mais ou menos assim: "A deputada evangélica Fulana, no seu primeiro trabalho como funcionária do governo, declarou a partir do Interesse Governamental no festival de Luis Palau em Buenos Aires".
Neste momento, lembrei-me e pensei: "Essa funcionária chegou ao poder por meio de um partido que fundamentou fortemente sua campanha na promoção de uma nova política e no término do clientelismo". Será que a opinião pública não verá esta ação como uma mostra de "clientelismo" evangélico? É coerente atuar desta forma e difundir-lo como um logro? Talvez esse não tenha sido o objetivo buscado, mas na função pública é muito difícil explicar estes tipos de ações de forma convincente.
Esses enganos são cada dia mais comuns entre os cristãos do meu país. Já há algum tempo, um setor majoritário de evangélicos argentinos se despertou da mentalidade "portas adentro", para entender que era necessário transmitir os valores de Jesus nos âmbitos decisivos da sociedade. Os pastores deixaram de chamar de "mundanos" e "pouco espirituais" aos que tinham tais interesses, e viram com bons olhos a nova "porta que se abria".
Não questiono os interesse da igreja pelos temas de transcendência nacional. Contudo, creio que há muito para refletir sobre os métodos e iniciativas que intentam elevar a um âmbito governamental.
Como periodicista, vejo que a opinião pública "secular" (segundo o nosso dialeto de gueto) percebe os evangélicos argentinos com duas preocupações principais, e no meu ponto de vista, nenhum dos dois deixa uma boa impressão.
Em primeiro lugar, existe uma forte procura de reconhecimento institucional por parte da liderança evangélica. O tempo todo citam as estatísticas que nos posicionam como uma minoria importante, o tempo todo se trata de demonstrar no nível corporativo que não somos ignorantes, que somos honestos, que somos confiáveis. Procuramos incansavelmente que os líderes de outras esferas nacionais (políticas, religiosas e institucionais) nos façam sentir participantes da realidade argentina, como se a visão destes setores nos validasse para nos expressarmos. Precisamos realmente desse contexto para transmitir o amor e a mensagem de Jesus? Com que fins pedimos tanto respeito?
Não vejo Jesus buscando a aprovação política e religiosa dos líderes da sua geração. Compartilhava seu tempo com eles, mas seu ministério não era o lobby, mas sim confrontar sua hipocrisia para levá-los a um caminho mais excelente. Também não estava interessado em ser aclamado pelas multidões. Melhor, as via como "ovelhas sem pastor" e tinha compaixão (prática) delas. Levar-lhes seu amor e ajuda a todos os focos sensíveis da sua sociedade foi e é seu verdadeiro objetivo.
A segunda percepção que ressalta é a imposição moral que se quer incutir na sociedade. Há poucos dias, lendo o blog de Philip Yancey em Espanhol (obrigado por fazê-lo) pude confirmar essa reflexão que lutava dentro de mim.
Pretendemos determinar pela Lei da Nação que um povo que ainda não experimentou a Graça e o Amor transformador de Jesus viva de acordo com os preceitos morais que não deseja nem respeita, impossíveis de alcançar com esforço e disciplina pessoal. Todos nós cristãos nos preocupamos com o estrago das drogas nos jovens, com o aborto, com o alcoolismo, com a violência social, etc. Mas creio que é necessário entrar no debate sério com a sociedade (mais que fazer coisas pelas pessoas, sem tanto alarde) e não aderir a qualquer projeto moralista que venha da política. De que adianta apoiar aos que por um lado prometem cuidar dos valores morais nos seus mandatos, mas impõem imoralmente terríveis cargas sociais e econômicas à pessoas? Nos EUA, Bush manipulou perfeitamente esses temas, seduziu muitos cristãos e faz tremendas barbaridades com seu consenso.
Nos horrorizamos com a descriminalização do consumo de drogas ou coisas do tipo, mas não nos incomoda que um viciado que comete um delito menor entre na cadeia comum, violentem-no, contagiem-no com HIV, e aperfeiçoem-no no ódio e na delinqüência. Vêem que estamos convencidos que o ressentimento social se cura com mais ressentimento social. Que teologia será esta?
Este tema é muito grande, e minhas perguntas são muitas... Seguirei compartilhando com vocês, porque acredito que além das diferenças que possam surgir, pensar em conjunto pode ajudar-nos a evitar as armadilhas da ignorância.
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Fonte: Teologia Sin Nombre
Tradução: K-fé
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