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Sunday, June 15, 2008

Minha conversa com o Peter

Minha conversa com o Peter*
(* nome trocado para não pegar mal com a pessoal verdadeira)
Peter é um amigo meu crente canadense. Deve ter seus 55 anos. Ele é contador e casado. E pentecostal. Conheci o Peter na igreja Batista. Tocávamos juntos na igreja na época.
Pois é, as coisas mudam. Mudam na superfície, mudam no cerne. Essa conversa aconteceu umas poucas semanas atrás, quando me encontrei com ele quase que por acaso numa igreja pentecostal. Quando o vi, Peter estava conversando com um jovem de uns 20 anos na ante-sala do santuário durante a pregação.

- Ô, K-fé, que bom te ver aqui! Tudo bem com você? Tudo bem com a família? Que bom.
Depois:
- Puxa, K-fé, que tempo legal aquele que a gente tocou juntos. Tivemos experiências legais. Lembra quando você foi tocar com a gente naquele congresso?
Sim, me lembro. O congresso devia ter umas mil pessoas. O congresso devia ser tão importante que nem me lembro para que aconteceu. Talvez tenha influenciado a vida de alguém. Eu nem me lembro de nada de interessante ou útil. Me lembro de um certo preletor de uma dessas organizações para-eclesiásticas dar uma de animador de auditório. Era uma dessas organizações de objetivos dúbios, que gosta de discutir assuntos fúteis e de grande perda de tempo. Me lembro de o sujeito dizer que aquele dia era um marco histórico para o Canadá, que "algo aconteceu hoje [naquele dia] no mundo espiritual", que o Canadá voltaria a ser aquela grande nação cristã que foi 80 anos atrás. É ruim, hein! "Pensamento positivo, pessoal. Repitam comigo: 'Mês que vem o Canadá vai ser cristão. Mês que vem não vai mais haver fome no mundo. ' Que pretensão. Querer que o Canadá volte a ser um país cristão pode ser um desejo nobre. Mas pode ser interpretado de uma forma negativa. Com uma arrogância de empurrar crenças goela abaixo de outras pessoas e mostrar força e autoridade. Temo ser a forma negativa que estava enrustida no discurso.

- Puxa, K-fé, lembra que você foi lá tocar no congresso de muletas com a perna quebrada?
Lembro. Não era perna quebrada, Peter, era tornozelo torcido. Me lembro de eu não conseguir entrar no estádio porque não conseguia abrir a porta de muletas. Algumas pessoas iam entrando (crentes, provavelmente) sem notar minha dificuldade e sem querer me ajudar. Por que teria eu ido lá tocar com essa dificuldade toda? Provavelmente por duas razões: porque eu gostava de tocar música e porque fui treinado desde pequeno a gastar tempo com essas coisas-de-igreja. Novamente tomei consciência da apropriação indevida da música como fonte de diversão para objetivos não tão nobres. Lá estava um grupo desses "de louvor" sem nome, todos cheios de boa intenção. Qual a diferença entre música que inspira e que diverte? Difícil essa. Talvez a música que inspira seja aquela que ajuda as pessoas a terem ciência de algo mesmo que inconscientemente, ou mesmo que essa ciência não seja definível. Se a música está lá pra animar já é mais entretenimento. Não que seja tão ruim assim o entretenimento. Dar o nome de entretenimento é uma boa coisa. De preferência sem tentar espiritualizar a coisa dizendo algo do tipo "não, não estamos aqui para fazer um show. Estamos aqui para exaltar e engrandecer o nome daquele que blá blá blá".
Hoje penso que é melhor ficar em casa comendo pipoca do que ir nesses programas-de-índio. Para quem quiser organizar um congresso e quiser que as pessoas saiam com aquele sentimento de alegria e descontração, contratem o Faustão e o grupo É o Tchan.

Como estava visitando aquela igreja Pentecostal, tive curiosidade de saber o que ele estava fazendo na prática. A igreja era muito grande para os padrões Canadenses. No Canadá, uma igreja com menos de 20 pessoas é pequena. Igreja média teria +- 50 pessoas. Igreja grande é qualquer igreja com mais que 100 pessoas. Interessante a igreja. Os pastores êm vaga reservada para o seu carro bem pertinho da porta da igreja. Talvez porque sejam especiais. Eu acho que esse tipo de mensagem comunica fortemente.

- E aí, Peter, você costuma tocar nos cultos aqui?
- Não, não. Essa não é a minha praia. Eu gosto é de grupos pequenos. Gosto mesmo é da experiência do cenáculo.
Peter estava se referindo a reuniões pentecostais em pequenos grupos. Cantam por horas e têm experiências extáticas. Tudo bem, Peter, que legal, mas essa não é a minha praia. Isso é coisa minha, tudo bem. Pra mim lembra Pedro querendo fazer barracas no monte para Jesus, Moisés e Elias (Lucas 9.33). Mas isso sou eu. Eles estiveram no monte, mas desceram para se encontrarem com a multidão cheia de problemas.

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