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Saturday, January 08, 2011

Quando o Pinguim Fica Maior que a Geladeira

Carta à Igreja Brasileira

Quando o Pinguim Fica Maior que a Geladeira

Primeiro Tempo

Às diversas igrejas pela nação brasileira, paz.



Companheiros e companheiras, tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. Eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá. Jesus vai conosco contra a corrente até não poder resistir. Ouçam o som do chicote, vejam a cor do ar, notem o suor na testa. É a dose mais forte e lenta de quem não vive, apenas aguenta.(Que emoção no coração) Amou daquela vez como se fosse a última. Amar é um deserto e seus temores. Vida que vai na sela dessas dores. Beijou cada filho seu como se fosse único. Mas Deus quis vê-lo no chão, e aos trinta e três anos de idade ele sentia todo o peso do mundo em suas costas. “Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”. Chorei! E esqueço que amar é quase uma dor. E se acabou no chão feito um pacote flácido. Agonizou no meio do passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

Ele veio para que vocês tenham vida, a vida completa.

Todos os dias a cena se repete. Todo dia o sol da manhã vem e nos desafia, mostra a face dura do mal. E a vida? E a vida o que é? Diga lá, meu irmão. Ela é maravilha ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? A vida é um dilema. Nem sempre vale à pena. Ela diz que melhor é morrer, pois amada não é e o verbo é sofrer. O que é a vida verdadeira?

É a vida vivida. É a vida como ele viveu. E isso é o que ele disse: quem procura os seus próprios interesses nunca terá a vida verdadeira; mas quem esquece a si mesmo, porque é seguidor de Jesus, terá a vida verdadeira. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida. Ninguém tem mais amor pelos seus amigos do que aquele que dá a sua vida por eles. É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.

Portanto, abandonem a Lei de Gérson e amem uns aos outros. Os maus desejos da natureza humana, a vontade de ter o que agrada aos olhos e o orgulho pelas coisas da vida, tudo isso não vem do Pai, mas do esquema.

Quem me dera ao menos uma vez provar que quem tem mais do que precisa ter quase sempre se convence que não tem o bastante. Fala demais por não ter nada a dizer. A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda. Eu estou escrevendo isso a vocês a respeito dos que estão tentando enganá-los. Se o Filho os libertou, vocês são, de fato, livres.

Intervalo

Não erreis: nem os que dirigem imprudentemente (pois dirigir imprudentemente é um atentado à vida e ao corpo, que é casa do Espírito Santo), nem os sonegadores de impostos, nem os corruptos, nem os que buscam cargos na igreja, nem os que buscam prestígio na denominação, nem os que costuram influência política no trabalho, nem os pastores que buscam templos grandes, nem os que furam a fila, nem os que dão um jeitinho, nem os que conversam no cinema, nem os ladrões, nem os trambiqueiros, nem os orgulhosos, nem os ricos herdarão o Reino de Deus. Para Deus, o Pai, a religião pura e verdadeira é esta: ajudar os meninos de rua e as viúvas nas suas aflições e não se manchar com as coisas más do sistema.

Ô, mundo tão desigual! Tudo é tão desigual. De um lado esse carnaval, de outro a fome total. Defendam os direitos dos pobres e dos meninos de rua; sejam justos com os aflitos e os necessitados. E aprendam a fazer o que é bom. Tratem os outros com justiça; socorram os que são explorados, defendam os direitos dos órfãos e protejam as viúvas. Respeitem e honrem os índios, que estavam aqui muito antes que nós. Celebrem o negro e a sua negritude. Respeitem e defendam os direitos das mulheres.

Segundo Tempo



E se “igreja” for algo mais simples? E se pessoas e Jesus forem os ingredientes básicos de ser igreja? Ser igreja acontece pelo simples fato de estarem juntas duas ou três pessoas e Jesus no meio delas. Jesus transformou a coisa mais simples do cotidiano em um momento sagrado: comer. Assim, o simples, o comum e o singelo tornam-se sagrado. A comida no dia a dia é a eucaristia, é o sacramento. A simplicidade do comer juntos quebra toda tentativa de institucionalizar e de aprisionar o sagrado. Tudo o mais além das pessoas e da presença manifesta de Jesus no meio delas é supérfluo. Devemos cuidar para não esquecermos que o pinguim não é tão importante quanto a geladeira. Ele não deve ser maior que a geladeira.

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião

Formada sobre tudo



Esta união, essa relação entre as pessoas também é simples. É Jesus entre elas. Não é preciso complicar essa relação. É o amor. Não criem relações do tipo patrão e escravos na igreja. Não criem relações do tipo apóstolo e irrelevantes. Não criem relações do tipo in and out. Nem é aconselhável tampouco adicionar fardo a essa relação entre as pessoas com ativismo igrejeiro. O supérfluo e a burocracias são inimigas beligerantes da simplicidade. Não criem bolhas. Porque ao mesmo tempo em que Jesus une as pessoas ele as envia. O mesmo amor dinâmico que une as pessoas deve dispersá-las, separá-las. Não montem uma redoma envolta da igreja. Jesus disse “ide”. Portanto, vão. Vão como? Como ele foi. Vão indo. Não de forma proselitista, não com a presunção de possuir a verdade em um vidrinho, mas convivendo com todos e todas, e convivendo de forma simples. A igreja é um diálogo na vida cotidiana. Nesse diálogo simples já estão todos os ingredientes: Jesus, Deus Pai, Espírito Santo e o grupo de pessoas. Esse grupo tem membranas permeáveis, pois Jesus é a força de união e de dispersão. Vocês são o sal da terra e a luz do mundo. Nós não vemos a luz, mas a luz é aquilo que nos possibilita ver.

Um modelo que as pessoas têm em mente de “evangelização” poderia ser representado mais ou menos asim:



O círculo é a igreja, e quem está dentro “evangeliza” mandando raios para fora tentando puxar as pessoas para dentro. A membrana é rígida. A maior parte do tempo é gasto dentro do círculo. A idéia é “evangelizar” as pessoas dentro do círculo. Jesus está sempre dentro do nosso círculo.

Uma alternativa poderia ser vista assim:



Nessa alternativa as pessoas não estão tão preocupadas em saber exatamente onde estão as bordas. Até porque ninguém sabe com certeza quem está “dentro” ou “fora”, apenas Deus. As pessoas então se procuram aproximar-se de Jesus e de umas das outras. “Evangelização” passa a ser um diálogo, onde eu não tenho a presunção de “deter” Jesus. Ao invés, esta “evangelização” é um amor dinâmico, reconhecendo que Jesus também está ou pode estar no outro. Desta forma eu também sou evangelizado.

Primeiro Tempo da Prorrogação



Quanto à liturgia de culto, cantem um cântico novo, isto é, usem uma nova linguagem. Não uma linguagem artificial e fabricada de uma sub-cultura cristã, mas uma linguagem vulgar, do povo. Não usem o evangeliquês nem disfarcem-no com penduricalhos bacanas. Ao contrário, busquem a linguagem do povo – com a sua própria poesia - para a partir dela construir algo que faça sentido. Não assumam que a linguagem usada na igreja se auto-justifica. Ela deve ser definida pelos termos da comunidade local. Uma linguagem que não seja elitista nem simplória. Uma linguagem auto-consciente. Façam do culto um grande diálogo com essa linguagem. A Palavra não é monopólio de uma pessoa. A revelação e a celebração são para todos.

Da mesma forma, não tentem empurrar uma sub-cultura cristã para a cultura, como se essa sub-cultura cristã fosse auto-evidente. Ao contrário, dialoguem com a cultura numa mão dupla. Porque a Missão de Deus não é monopólio de vocês. Deus age com, sem e apesar da igreja cristã. Nesse diálogo de mão dupla, procurem ver o Deus vivo e presente na cultura. Esse diálogo começa com essa identificação. Revejam, portanto, a interação da igreja com o seu derredor, para que não seja como tiros de dentro da bolha, mas que seja como um encontro no boteco.

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Mesmo a quem não tem fé

A fé costuma acompanhar

A voz profética é uma constante nas Escrituras. A profecia da igreja deve ser uma voz de denúncia das injustiças sociais, tanto no âmbito do bairro quanto nacional. Lembremos do profeta Amós, um criador de gado leigo que não participava dos círculos dos religiosos da época. “Amós condena todos os que se tornam poderosos ou ricos à custa dos outros. Os que tinham adquirido duas casas esplêndidas (3.15), móveis caros e mesas ricamente guarnecidas, defraudando, pervertendo a justiça e esmagando os pobres, perderiam tudo o que possuíam.“ (Comentário da Bíblia de Estudo NVI)

Estranho o teu Cristo, Rio

Que olha tão longe, além

Com os braços sempre abertos

Mas sem proteger ninguém

Lembrando da liberdade que temos pelo Espírito de amor, sirvamos uns aos outros em amor. Lembrando do sacerdócio de todo o crente, fortaleçam o laicado. Não aceitem nenhuma forma de abuso de uma pessoa.

Que a única autoridade pastoral venha do amor demonstrado na prática em serviço. Não usem palavras difíceis para impressionar. Sejam humildes. Não enganem ninguém com teatro. Não deturpem a Palavra com raciocínios complexos e blá blá blá. Rejeitem e neguem por todos os meios – por pregação, prática, símbolos e sacramentos - a Lei de Gérson. A Lei de Gérson é a que quer cada vez mais proeminência para si e para a igreja. A Lei de Gérson não respeita o outro. Joguem fora todos os chavões e vícios de linguagem. Não abusem das emoções das pessoas. Sejam como crianças. Sirvam ao bairro sempre. Respeitem o outro e a outra, sejam quem forem: outras religiões, outras opiniões, ou minorias. Entendam a cultura brasileira. Entendam a responsabilidade sócio-política que os cristãos têm. Consciente, deliberada e constantemente incluam os excluídos na sua comunidade. (Por exemplo, se a igreja for agora majoritariamente composta por classe média, pensem em como incluir com respeito, dignidade, igualdade e sem estigmatização em todos os aspectos da igreja mais pessoas de outras faixas de renda.) Não invistam em templos grandes. Invistam em vidas.

Segundo Tempo da Prorrogação



Deus é Brasileiro (e Argentino e Paraguaio e Chinês). Ele fala Português sem sotaque. Esta conversa tem que ser em Português do Brasil. Apenas quando nos comunicarmos em Português falaremos coisa com coisa. Esta linguagem deve ser a do povo. Deve incluir os anseios futuros e frustrações passadas. Deve estar consciente do misticismo e folclore populares. Deve reconhecer os heróis brasileiros. Deve entender a História brasileira. Deve usar acordeon, atabaque, zabumba, cavaquinho e berimbau. A igreja deve cair na dança literalmente com muito samba, frevo, bumba-meu-boi e maracatu. Esta conversa é uma conversa que deve participar do processo de construção da nação. Deve ser comunidade, sem discurso ufanista ou triunfalista.

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que ficar a sós

Tenho que apagar a luz

Tenho que calar a voz

Tenho que encontrar a paz

Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata

Dos desejos, dos receios

Tenho que esquecer a data

Tenho que perder a conta

Tenho que ter mãos vazias

Ter a alma e o corpo nus

Às vezes penso na dificuldade que os primeiros cristãos tiveram de entender como o Cristianismo estava ao mesmo tempo inserido na cultura e separado dela. O livro de Atos relata esta dificuldade: para eles o Judaísmo estava atrelado à sua cultura de tal forma que era impossível imaginar cristãos tanto judeus como não-judeus. Como é possível crer em Deus tendo uma cultura tão diferente, sendo tão impuro? Como é possível crer em Deus e fazer parte dessa ekklesia pessoas com cosmovisões tão diferentes? Como podem essas pessoas dizerem que amam a Deus quando não se esforçam por seguir as regras e as leis? Como pode a pessoa fazer parte do povo de Deus sem ser descendente de Abraão? Para mim a história desta transição da igreja primitiva fala da universalidade e da abrangência de Deus. Ele está perto de todos os que o invocam. Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus.

Gosto da vida simples expressa por Caetano Veloso na música “Alegria, Alegria”.

Caminhando contra o vento

Sem lenço e sem documento

No sol de quase dezembro

Eu vou...

O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em cardinales bonitas

Eu vou...

[...]

Ela pensa em casamento

E eu nunca mais fui à escola

Sem lenço e sem documento,

Eu vou...



Eu tomo uma coca-cola

Ela pensa em casamento

E uma canção me consola

Eu vou...

[...]

Por que não, por que não?

Enquanto ele só quer tomar uma coca-cola, ela já faz planos de casamento. Ela tem um projeto de vida: casar, estudar, etc. Ela entrou no sistema e espera uma vida normal. Ela já vai complicando as coisas. Há uma discrepância na interpretação do contexto: ela burocratiza e complica. Ela precipita-se e projeta sobre ele um plano e não comunica. Inconscientemente quer controlá-lo com uma boa intenção, uma intenção ingênua. Ele não quer entrar mais no esquema. Nunca mais foi à escola. Aquela erudição, aquelas fórmulas serviram pra que? A primeira pergunta que faz quando vem um sistema de controle e dominação autoritário é “por que não?” Ele quer desafiar o estado de sítio imposto e andar livre, sem documento. Abre mão da identidade externa falsa para abraçar a sua identidade interna. Este é o protesto dele: andar sem lenço e sem documento, sem aceitar o controle externo não-justificado do seu comportamento. Ele quer andar contra o vento. Por que não? Ao mesmo tempo em que a alegria é um tanto trá-lá-lá, paz-e-amor-bicho, é também uma alegria que acaba rindo de si mesma. Afinal, a alegria está ciente dos crimes, das espaçonaves loucas, e das guerrilhas. A caminhada sabe das bombas, e das fotos e nomes de desaparecidos pela tortura. Ao mesmo tempo em que pratica sua mini-rebeldia contra o status quo, ele está ciente da sua própria alienação. Afinal, enquanto ele se enche de alegriazinha, enquanto sente preguiça, enquanto admira o sol bonito (uma entidade intangível), outros pegam em fuzis, plantam bombas em bancas de revista e levantam bandeiras ideológicas. Ele não expressa nenhum sentimento a esses elementos negativos da história. Ela apenas cita-os, confessando assim sua própria alienação. Ele está ciente de si porque caminha, e esquece de dizer para onde está indo. Está ciente de si porque ao ver a si mesmo e ela juntos coloca-se fora da câmera. Ele está ciente da sua própria alienação porque toma coca-cola, o refrigerante da multi-nacional que aliena prometendo alegria. Está ciente dessas contradições do seu próprio “eu”, e das contradições no mundo. Mesmo assim está de bem consigo mesmo e vai andando contra o vento.

Não é preciso sistematizar e pôr a pessoa num processo de produção em massa para fazer dela um “cristão-modelo”. Este processo tende a aliená-la e forçá-la a importar uma subcultura cristã que existe em função de si mesma. Ao contrário, no Espírito há liberdade de se perguntar “Por que não?” O “por que não?” pede uma justificativa do controle. O “por que não” só aceita a autoridade do amor que caminha junto.

Pênaltis

Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. Se o Filho os libertou, vocês são, de fato, livres. E onde o Espírito do Senhor está presente, aí existe liberdade.



Quando a gente gosta

É claro que a gente cuida

Fala que me ama

Só que é da boca pra fora

Ou você me engana

Ou não está madura

Onde está você agora?



Que o nosso amor pra sempre viva.





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