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Tuesday, August 19, 2008

Congregação por Tradição

Por Gabriela Fernanda Ibarra

Tradução: Pajé Raoni

"As minhas ovelhas escutam a minha voz;
eu as conheço, e elas me seguem.
Eu lhes dou a vida eterna, e por isso elas nunca morrerão.
Ninguém poderá arrancá-las da minha mão.
O poder que o Pai me deu é maior do que tudo,
e ninguém pode arrancá-las da mão dele.
Eu e o Pai somos um."
João 10.27-30

Qualquer tentativa intelectual de valorizar a resistência e validade da congregação cristã como Instituição formal (que é parte do Corpo de Cristo) nestes dias e nestas Américas atuais pode francamente levar-nos com muita facilidade a incongruências involuntárias. Não obstante, o paradoxo não é um perigo do qual deve-se fugir, senão uma simples demonstração de que nos faz falta continuar pensando sobre o assunto.

Em nosso continente sobressaem vozes divididas, umas anunciando o "fim do reino congregacional" e outras reivindicando a forma congregacional chamando a seus grupos de reunião de "A" igreja. Assim sendo, me referirei aos grupos congregacionais que conheço e conheci, sem querer fazer aqui uma generalização maior.

Em princípio, não estou muito certa - teologicamente falando - que verdadeiramente haja uma palavra bíblica com hermenêutica incontestável que contenha o imperativo de reunir-se em uma comunidade institucionalizada e designada para a assembléia dos crentes em Jesus Cristo.

O fato de termos o registro histórico de que os primeiros cristãos faziam-no em suas circunstâncias particulares não pode fazer parte de nenhuma coleção doutrinária bíblica. A imitação de costumes não admite absolutização dogmática e toda instituição nascida de uma perpetuação dos costumes não pode ser obrigatória.

Resgatar o simples testamento histórico daquele século visando a manter uma tradição é uma valorização necessária de nossa história. Mas seria também recomendável considerar este século onde estamos contextualizados e ver sem medo e sem assombro que a tradição da assembléia pode variar e que não é saudável a rigidez absoluta da cultura relativa.

A vida de ekklesia (que não é de episinagoga) em nossos tempos e em alguns de nossos países se está convertendo - ou conseguiram convertê-la - em uma política de afluência impossível de escapar, a qual já é vivida com mal-estar e insatisfação por causa da obrigatoriedade. Obrigatoriedade que se utiliza como princípio sustentador e se indentifica com a salvação por mérito (princípio redentor).

A má transformação da tradição de ekklesia não pode nem deve - em honra a essa tradição - ser imposta como uma carga pela qual se luta e se suplanta em modo de sacrifício.

Nem paramos para pensar se ouvimos bem a Marcos 4.23-24 e a Lucas 8.18 antes de converter em mandamento uma exortação pastoral de Hebreus 10.24-25?

Porque a marca de pensarmos uns nos outros para ajudarmos todos a terem mais amor e a fazerem o bem se dá no âmbito de episinagoga e não necessária e exclusivamente no de ekklesia.

No tempo histórico em que se escreveu o texto de Hebreus, o contexto mundial era muito diferente do nosso nas Américas. Nós aqui não temos a fé cristã proibida pelos estratos religiosos e governamentais. Os cristãos de então se convocavam a umas assembléias secretas às quais não temos porque imitar hoje, a não ser que em algum de nossos países um regime ou um presidente nos persiga para exterminar-nos, ou a religiosidade oficial nos declare extermináveis.

Para preservar-nos como corpo de crentes de baixo de uma severa perseguição política e ditatorial, a ekklesia convocada em forma de alarme e de resistência é uma necessidade imposta pelas más "condições" históricas, mas não existe nas Escrituras um mandamento sobre o encontro, o qual por falta de assistência seja quebrado.

Existe a apostasia como renúncia à fé cristã, mas não existe a figura de "deserção congregacional" passível de punição.

É verdade que em muitos casos particulares, uma pessoa que renuncia à fé cristã obviamente não assiste à assembléia cristã. A apostasia fere simultaneamente a ekklesia e a episinagoga. Mas é verdade também que o inverso não se dá sempre por relação matemática. De modo que não se pode acusar um cristão de "apóstata" por haver abandonado a instituição cultural da qual era membro.

Em nossas Américas todavia se ensina e se amedronta homileticamente mediante a mensagem de que o abandono da membresia é um abandono automático de Deus. Ou que fora da assembléia o único que espera o cristão é uma vida de pecado e perdição, de frieza espiritual, de desintegração psicológica, de más obras e de indiferença moral. Como se a assembléia fosse uma garantia protetora de todas essas desgraças descritas e não - como chegou a ser em muitos casos - a precursora da adversidade dos fiéis e a propulsora da incredulidade das pessoas.

Isto é especialmente verdade nas comunidades onde se relaciona os "fazeres" congregacionais com a identidade cristã genuína. Quanto mais presente, visível e ativa está uma pessoa na ekklesia, mais maturidade cristã se lhe atribuirá, coisa que certamente é um uma mentira ou uma simples ilusão, além de um preconceito que ninguém está autorizado a emitir.

Cheguei a ouvir alguns pastores dizerem que a ekklesia é um modelo dado por Deus para o crescimento do seu Reino!

Um cristão pode prescindir da ekklesia histórica, cultural e tradicional sem que por isto esteja prescindindo do ato de episinagoga nem da fé em Jesus Cristo.

Não é que Jesus Cristo não possa estar presente em todas as formas culturais de ekklesia. É justamente o contrário o que tento dizer: que Jesus Cristo pode estar presente também em todas as formas de episinagoga quando nós que cremos nele nos reunimos em seu nome, seja na ekklesia ou fora da ekklesia.

Nós que escolhemos momentânea ou definitivamente estar fora da ekklesia não somos os que pregamos o abandono congregacional e não o promovemos nem o difundimos como solução para as aberrações eclesiais. Ao contrário, a pregação contra a liberdade dos crentes cristãos sai precisamente do institucionalismo exclusivo, por rancor e por ressentimento.

As pessoas abandonam as dogmatizações culturais mas não abandonam Jesus Cristo nem deixam de ser parte do seu Corpo, então dá raiva nas confrarias doentes o fato de Jesus Cristo não jogar fora os que o buscam.

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Ekklesia: assembléia popular grega que extraía "fora de" um grande grupo de pessoas outro grupo menor de pessoas que compartilhavam a discussão e as lides de um tema único com um fim particular. Por analogia usou-se para a igreja cristã.

Episinagoga: "Coleção ou coleta, convocação". Por analogia usa-se para reunião ao redor da sinagoga, fora da sinagoga, não necessariamente dentro da sinagoga, já que às vezes não os deixavam entrar ou lhes apedrejavam. Eram livres para criar uma ekklesia onde poderiam levar-lhe a cabo. Sabiam bem que o Logos morava neles e não nos edifícios. Nós os esquecemos e levamos a analogia longe demais.

( artigo original em Espanhol: http://teologiasinnombre.blogspot.com/2007/10/congregacion-por-tradicion.html )

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