Encontrando Jesus no Bar
Ou Como Eu Aprendi a Parar de me Preocupar e a Amar Evangelismo
(Tradução: K-fé)
Capítulo 2
An Emergent Manifesto of Hope - Pagitt & Jones (ed)
Baker Books
ISBN 978-0-8010-6807-2
Heather Kirk-Davidoff é Pastora da Comunidade Kittamaqundi (uma igreja independente na tradição da Igreja do Salvador) em Colúmbia, Maryland, EUA. Ela é casada com Dan Kirk-Davidoff, um cientista climatólogo, e juntos são pais de gêmeos de 10 anos e uma filha de 7 anos. Com sua parceira escritora, Nancy WoodkLyczak, Heather é autora de dois livros: Talking Faith [Fé que Fala] (Chalice Press, 2004) e Dare to Dive In: Strategies and Resources for Involving Your Whole Church in Worship [Ouse Mergulhar: Estratégias e Recursos Para Envolver Toda a sua Igreja no Culto] (Abingdon, 2006). Contatos através do site www.kirkwoodassociates.org.
1 Tessalonicenses 2.8 “Nós os amávamos tanto, que gostaríamos de ter dado a vocês não somente a boa notícia que vem de Deus, mas até mesmo a nossa própria vida. Como nós os amávamos!”
Eu comecei a entender o que era “evangelismo relacional” pela primeira vez numa noite quando uma mulher num bar me disse que ela tinha visto Jesus vestido como mendigo disfarçado com roupas de duende.
Eu tinha ido ao bar com uma amiga depois de assistir a uma aula sobre ministérios para a geração nascida nos anos 70. O palestrante terminou com um desafio simples: crie o hábito de conversar com pessoas na sua comunidade que não vão a igreja nenhuma. Não parecia muito um desafio quando ouvimos, especialmente porque nós duas nascemos nos anos 70. Mas ao estar lá no bar, com nossas cervejas ficando quentes nas nossas mãos, nós nos sentimos cada vez mais incômodas. Depois de muita hesitação, eu finalmente me virei para uma mulher de pé perto de mim e disse:
- “Posso deixar meu casaco no chão do seu lado? Estou cansada de carregá-lo.”
E para meu alívio, começou uma conversa.
Falamos sobre seu trabalho, seu namorado, as músicas que gostávamos, e eventualmente sobre o musical Rent, o qual amávamos. Falamos do seu personagem principal, Angel, um sem-teto gay, baterista que passava a maior parte do show vestido como um Papai Noel drag queen. Na metade do show o Angel morre de AIDS, rodeado de um grupo eclético de amigos. “O que é impressionante para mim”, disse a mulher, “é quanto poder tem o amor do Angel nas vidas dos outros personagens na peça. E o seu amor não pára de influenciá-los mesmo depois que ele morre. É como se... É como se ele se aperfeiçoasse na sua morte.”
Me dei conta de repente que nós não estávamos só batendo um papo.
- “Sabe, algumas pessoas dizem que o Angel é um personagem de Cristo.”, disse eu prontamente.
- “O que é que você acha?”
- “Eu não sei” – disse ela. “Só acho que eu me sinto muito mais perto do Angel que de Jesus.”
Eu fiquei espantada. Eu pensei que eu tinha ido ao bar naquela noite para encontrar pessoas que talvez precisassem de alguma coisa que eu pudesse oferecer – um ouvido compreensivo, um convite para vir ao culto na minha igreja, ou mesmo um testemunho sobre quem Jesus era e o que seu amor queria dizer para suas vidas. Eu não esperava ser eu a pessoa que fosse receber um convite para conhecer Jesus melhor e seguí-lo mais corajosamente. Para minha surpresa, e para meu deleite, foi isso o que aconteceu.
Eu fiquei viciada. Ir ao bar uma ou duas vezes por semana e conversar com pessoas que eu não conhecia virou uma prática minha regular. Fiquei perplexa com a facilidade de falar sobre assuntos “espirituais”. As pessoas me falaram sobre suas esperanças e medos, seus relacionamentos e seus conflitos de identidade. Era difícil explicar para a minha congregação (ou para a minha família) o que eu estava fazendo, então eu comecei a convidar as pessoas para vir comigo. Eu parei de ficar pensando como atrair jovens para a minha igreja e comecei a focalizar em como fazer minha congregação sair do seu templo e como inserí-la em relacionamentos com o mundo fora das suas portas.
Resumindo, me tornei algo que nunca sonhei ser: uma evangelista. Eu não era motivada por um desejo de salvar as pessoas das garras do inferno, e não era motivada por um desejo de fazer crescer a minha igreja. Eu era motivada pelo desejo de me relacionar com pessoas que eram diferentes de mim de várias maneiras. Eu queria esses relacionamentos porque eles me ajudavam a entender melhor o que Jesus estava fazendo no mundo e como eu poderia segui-lo, mesmo com ele me conduzindo para fora da igreja e para dentro do bar.
Seres Humanos ou Marketeiros?
Como seria o evangelismo se fizéssemos como Brian McLaren propõe no seu livro “More Ready than You Realize” e “contássemos conversas em vez de conversões”? Evangelismo relacional não é só uma mudança de tática. É uma mudança na razão de evangelizar, mudando o foco de recrutar para o cultivo de relacionamentos que são um fim em si mesmos, indispensáveis para a nossa caminhada espiritual.
Na minha experiência de conversa sobre a igreja emergente, o problema de evangelismo ficou freqüentemente relegado à periferia. Quando comecei a ir a convenções da Emergent, eu sabia muito bem que eu era de um grupo pequeno de cristãos liberais em um mar de cristãos evangélicos. Fiquei muito animada (um pouco além dos limites) por poder finalmente conversar com cristãos que realmente queriam estender a mão à comunidade e não só esperar as pessoas aparecerem nas suas igrejas como nós geralmente fazemos. Cada vez que eu encontrei um pastor de uma igreja emergente, eu perguntei sobre a maneira que evangelizavam. Fiquei surpresa em descobrir quão pouco eles tinham a dizer sobre o assunto. Alguns pastores que eu conheci e que admirava me garantiram que eles não faziam nenhum evangelismo intencional. Eles botavam todos os seus esforços na construção das suas comunidades – desenvolvendo relacionamentos com as pessoas nas suas igrejas e com seus vizinhos – e eles achavam que as suas igrejas cresciam sem precisar tentar nada.
Tive que rir. Finalmente eu estava falando com pessoas com as quais eu me identificava como evangélicos, e eles soavam ainda mais cautelosos com evangelismo que meus amigos liberais. Logo me dei conta de que, como eu, muitos dos líderes que conheci através do Emergent vieram de contextos onde práticas evangelísticas que lhes foram ensinadas não funcionavam mais porque eram fundamentadas em suposições que não se encaixavam mais nos seus contextos atuais.
Como uma pastora tradicional eu trouxe comigo algumas suposições que herdei da tradição na qual fui formada. O trabalho de evangelismo que eu tinha sido ensinada a fazer focalizava em atrair visitantes para a minha igreja com convites, programas e propagandas, e depois fazer um acompanhamento com visitas, incentivando-os a tornarem-se membros, serem dizimistas, e participarem de alguma comissão. Por trás desse trabalho havia uma suposição de que membresia numa igreja era o que as pessoas na minha comunidade realmente queriam e precisavam. Meu dever era recrutá-los para a igreja a qual estivesse liderando.
Meus colegas evangélicos também foram treinados para recrutar, mas de forma diferente. Evangelismo, da forma que foram ensinados, está baseado na suposição de que as pessoas estão (ou podem facilmente serem levadas a crer que estão) profundamente ansiosas com seus destinos após a morte. O Cristianismo oferece uma solução para esta ansiedade porque no momento em que a pessoa toma uma decisão de aceitar o sacrifício expiatório de Jesus na cruz, seu destino eterno muda da condenação para a alegria. Como descreve Dallas Willard no “The Divine Conspiracy”, quando os crentes pensam só em recrutar, o cultivo contínuo de relacionamentos e hábitos nesta vida torna-se quase que irrelevante.
Mesmo que tenhamos um histórico cristão liberal ou cristão conservador, evangelismo tem mais freqüentemente focalizado em recrutar. Ao conversar sobre evangelismo com outros líderes de igrejas emergentes, fiquei impressionada com como nossos caminhos diferentes nos trouxeram à mesma conclusão: recrutar mata relacionamentos. Mesmo que sua teologia seja excelente, mesmo que a sua igreja seja maravilhosa, mesmo que sua comunidade seja o melhor grupo de pessoas na Terra toda, assim que você se dirige a alguém com a intenção de recrutá-lo para a sua teologia ou igreja ou comunidade, você se torna um marketeiro e a outra pessoa vira o alvo do seu marketing. Enquanto a geração dos anos 70 teve uma gama de experiências com religião ou igreja ou comunidade, nós compartilhamos a experiência de sermos alvos de marketing desde o tempo em que assistíamos a desenhos na televisão com produtos atrelados. A gente consegue farejar um esquema de vendas a quilômetros de distância, e nós nunca confundimos isso com uma oportunidade de relacionamento genuíno.
O filme “The Big Kahuna” de 1999 demonstrou esse argumento de forma brilhante. Ao responder a um colega que transformou uma conversa de vendas em uma oportunidade para testemunhar a sua fé cristã, um dos personagens diz: “Não importa se você estiver vendendo Jesus, ou Buda ou direitos civis ou “Como Ganhar Dinheiro no Mercado Imobiliário Sem Capital Inicial”. Porque no momento em que você põe as mãos na conversa para controlá-la, ela deixa de ser uma conversa e vira uma venda. E você deixa de ser um ser humano e vira um marketeiro.”
Ame Deus, Ame o Seu Próximo – Ao Mesmo Tempo
Apesar das nossas grandes diferenças de evangelismo, o que me liga com várias pessoas que conheci através do Emergent que vieram de uma herança conservadora é que no final das contas nós não queremos ser marketeiros, mesmo se estivermos fazendo marketing de um Salvador maravilhoso ou de membresia na comunidade mais legal que se possa imaginar. Nós queremos ser seres humanos. Por isso, estamos dispostos a abrir mão do que for que seja que tenhamos aprendido sobre como fazer uma igreja crescer ou disseminar o evangelho.
Mas nós não desistiremos de relacionamentos. Queremos ser amados, ser conhecidos e compreendidos. Mais que isso, queremos conhecer outras pessoas, crescer no mesmo amor e conhecimento delas. No contexto em que moro e trabalho – urbano e transitório – este desejo por relacionamentos é uma coisa que as pessoas falam o tempo todo. E não é o mesmo que querer passar mais tempo com amigos (embora as pessoas sintam isso também). Existe um verdadeiro desejo de construir relacionamentos com pessoas que não conhecemos ainda, incluindo pessoas que são diferentes de nós. No meu bairro, não só as pessoas podem comer pratos de dezenas de culturas diferentes, como podem pegar ônibus ou jogar futebol ou ir a um concerto com outras pessoas que vêm de dezenas de países diferentes.
A grande maioria dos meus amigos tem curiosidade sobre as vidas, os pensamentos, e sonhos de outros. Eles estimam as oportunidades que têm de conhecer novas pessoas, especialmente quando essas pessoas são diferentes deles, e quando sentem que essas oportunidades são muito poucas e esparsas.
Se levássemos essas experiências a sério, logo nos daríamos conta de que desenvolver e manter relacionamentos é talvez a principal disciplina espiritual de muitos adultos de 20 ou 30 anos (e várias vezes mais velhos). Mesmo que nós também oremos e leiamos a Bíblia regularmente, mesmo que cantemos com monges ou façamos ioga ou vamos a um retiro, nossos relacionamentos com outros nos dão a maior percepção sobre quem Deus é e aonde Deus está nos guiando. Note o assunto pelo qual você tem orado, ou veja as formas criativas que inventamos de construir uns com os outros na Internet ou por telefone ou em grupinhos no fundo do bar comunidades que oram. Note como lemos a Bíblia, e veja como nossos estudos ganham vida quando nós os ligamos com problemas e preocupações das nossas próprias comunidades. Mesmo no monastério, na aula de ioga, ou no retiro, estamos procurando nos ligar não só com Deus mas também com outros que estão numa caminhada espiritual, com quem nós talvez construamos um relacionamento.
No cerne de toda essa fome e sede de relacionamentos está uma compreensão que de alguma forma tanto cristãos liberais quanto conservadores que recrutam parecem ter esquecido. Quando pressionado a identificar o maior mandamento, Jesus listou dois: ame o Senhor seu Deus, e ame o seu próximo como a si mesmo. Nós temos a tendência de separar esses mandamentos. Tornamos distintos e várias vezes até seqüencial. Resolva seu relacionamento com Deus, e aí então seus relacionamentos com as pessoas se organizarão. Mas Jesus pôs esses mandamentos juntos e disse que eram semelhantes. Ele entendeu algo que nossas igrejas têm freqüentemente esquecido: nós crescemos no nosso relacionamento com Deus e uns com os outros simultaneamente. E é várias vezes aprendendo a amar uns aos outros que nós nos achamos abertos para Deus de maneiras novas e mais profundas.
Relacionamentos Que Alimentam a Alma
E se as nossas igrejas levassem a sério a prática de construir relacionamentos? E se nós não somente cultivássemos comunhão cristã através do louvor e grupos de células mas também considerássemos alta prioridade construir relacionamentos com pessoas que não fazem parte da nossa igreja, mesmo pessoas que são diferentes de nós? Bem diferente de se tornarem irrelevantes, as igrejas se tornariam centros de treinamento essenciais em tipo completamente novo de Cristãos que quereria crescer no conhecimento dessa caminhada espiritual.
Como as igrejas podem contribuir para essa prática? Em primeiro lugar, elas podem se tornar lugares onde as pessoas aprendem como um relacionamento que alimenta a alma realmente é. Nem todos os relacionamentos são positivos, e na nossa fome de nos tornarmos conhecidos nós às vezes esquecemos o que é estabelecer limites saudáveis uns com os outros. Em grandes grupos ou pequenos grupos, através do ensino explícito e de modelos implícitos, as igrejas podem fornecer oportunidades para as pessoas aprenderem sobre relacionamentos edificados sobre igualdade e respeito mútuo, onde ambas as partes estejam dispostas a escutar bem como falar, receber bem como dar.
Quando uma rede de relacionamentos respeitosos existir, igrejas podem se tornar lugares onde as pessoas aprendem a compartilhar sua fé com sinceridade e integridade de uma forma que não manipula o relacionamento como se fosse uma chance de recrutar. Esse jeito de compartilhar a fé é fácil para algumas pessoas, mas muitos de nós não sabem por onde começar. Tivemos tantas experiências negativas com evangelismo e evangelistas que pensamos duas vezes antes de começarmos a falar com qualquer um sobre ser crente. Preferimos ficar em silêncio a arriscar danificar nossos relacionamentos porque nossos amigos ou conhecidos podem nos confundir com aqueles que recrutam, a quem tanto desgostamos. Gostaríamos de ver isso sendo feito, e bem feito, antes que corramos nós mesmos o risco.
Várias igrejas emergentes estão fazendo esse tipo de modelo, no meio do próprio culto. Elas querem se certificar que a linguagem usada no culto soa como linguagem que podemos usar nas conversas do dia-a-dia. Elas ligam a história bíblica com as histórias das quais falamos durante a semana – as histórias dos nossos jornais, nossos filmes preferidos e programas de televisão, e nossas vidas. Na congregação que eu ministro, nós freqüentemente cultuamos sentados ao redor de pequenas mesas com seis ou sete outras pessoas. Em várias horas no culto, cada grupo de mesas pode conversar junto sobre a Bíblia, orar junto, ou mesmo servir a ceia uns aos outros. Eu adoro essa prática porque é tão parecida com outros momentos nos quais nos vemos durante a semana: ao redor da mesa de jantar com as nossas famílias, almoçando fora com colegas de trabalho, ou mesmo sentados ao lado de um estranho num balcão de almoço, ou num banco de praça, ou num avião.
Se praticarmos a construção de relacionamentos na igreja e pudermos compartilhar nossa fé respeitosamente e sem constrangimento, é bem provável que consigamos compartilhar nossa fé fora da igreja também. Mas nós não vamos compartilhar só o que outros nos dizem que devemos crer. Nós iremos compartilhar nossos próprios compromissos, mesmo quando eles não se encaixam na “visão da cúpula”. Nós compartilharemos nossas dúvidas bem como as coisas que achamos engraçadas e peculiares. E compartilharemos nossa curiosidade sobre crenças e compromissos, práticas e experiências dos outros, mesmo os que são diferentes de nós. Ao fazermos isso, não só traremos Jesus ao mundo, mas é bem provável que o encontraremos vindo a nós dos becos, do deserto, onde não devemos nunca nos surpreender em achá-lo.
Capítulo 2
An Emergent Manifesto of Hope - Pagitt & Jones (ed)
Baker Books
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