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Thursday, March 13, 2008

Igreja Emergente no Contexto Brasileiro

Publicado originalmente no saite Renovation Café: http://www.renovatiocafe.com/

Igreja Emergente no Contexto Brasileiro - K-fé

Neste artigo desejo pensar sobre a conversa emergente no Brasil. Penso que as práticas e ênfases da igreja emergente têm muita aplicabilidade no contexto atual brasileiro. E creio que o contexto cristão brasileiro necessita de uma profunda reforma, sendo que a conversa emergente pode vir a ser o veículo dessa reforma. Vejamos algumas características atuais do cristianismo brasileiro. O Brasil tem cerca de 160 milhões de cristãos. 138 milhões de católicos nominais e 30 milhões de evangélicos. Os evangélicos vêm crescendo rapidamente. Cresceram de 2,6% para 15,4% da população de 1940 ao ano 2000, isto é, quase 6 vezes. Dentre os evangélicos, o maior grupo é de pentecostais e neopentecostais. Num contexto mundial, o hemisfério sul é onde o cristianismo mais cresce. Principalmente a América Latina e África. Na América Latina o Brasil é uma das maiores forças econômicas, senão a maior. Na edição comemorativa de 10 anos da revista Next-Wave (umas das mais influentes na conversa emergente) em Janeiro de 2008, Mark Van Steenwyk (americano) faz três exortações. Ele escreve “Envolvam o Pentecostalismo. O mundo em desenvolvimento é o futuro do cristianismo. Na maior parte, a expressão dominante do cristianismo no mundo em desenvolvimento é o Pentecostalismo.” [1]. Ao mesmo tempo em que o Brasil conta com um grande número de evangélicos, experimenta grandes desafios sociais: grandes desigualdades sociais (má distribuição de renda), desemprego, acesso à justiça, violência, prostituição infantil, educação e saúde precárias e corrupção, entre outros. “Em um ranking mundial que inclui 126 nações, o Brasil ainda aparece com a 10ª pior distribuição de renda, atrás de países como Haiti - o país mais pobre da América Latina - e a Índia.“ [2] Sob o risco de simplificação, diria que uma grande parte da igreja cristã brasileira tem problemas nas suas eclesiologia e ortoprática e não tem mostrado de uma forma efetiva e prática comunidades alternativas que, entre outras coisas, viveriam de maneiras que mitigariam esses problemas.

Por que alguém se interessaria por diferentes formas de igreja? Creio que várias pessoas têm boas intenções ao se importarem com a "pregação do evangelho"[3] ou a "disseminação do evangelho". Podem existir problemas, porém, quando começamos a averiguar melhor intenções e métodos. É um problema especialmente para pastores. Várias vezes o desejo de "disseminação do evangelho" se traduz em "atrair mais pessoas para a minha igreja" ou “mais pessoas em estádios”. "Evangelho" e "conversões", portanto, não têm relação direta com "boas notícias", mas sim com mais sucesso ou ibope. Dessa forma, medidas de eficácia ou sucesso de uma igreja geralmente são o número de pessoas que vão aos cultos. Os neopentecostais talvez incluam renda per capita (e não o desvio padrão da renda, claro). Os capítulos iniciais do livro "The Great Giveaway: Reclaiming the Mission of the Church from Big Business, Parachurch Organizations, Psychotherapy, Consumer Capitalism, and Other Modern Maladies" de David Fitch me ajudaram a pensar em outras formas de ver saúde ou êxito de uma igreja local. Em vez de enfatizar igrejas grandes, Fitch advoca por pensarmos em "igrejas mais fiéis". Em vez de as igrejas serem fábricas de produção de "conversões" em série elas deveriam ser comunidades locais que demonstram de formas práticas vidas de discípulos transformadas. Por exemplo, em vez de perguntar quantas conversões houve ou quantas pessoas vão a certa igreja, ele lista perguntas do tipo quantos batismos houve, quantos mendigos e indigentes tiveram suas vidas restauradas e permanecem na igreja local, quando foi a última vez que uma pessoa se abriu com outra, etc. Além disso, em vez de uma igreja crescer numericamente no mesmo lugar, é concebível o trabalho da igreja crescer por implantações de novas igrejas. Em suma, leio Fitch focalizando a qualidade e não a quantidade. Parece-me fazer sentido, até mesmo considerando que após a morte de Jesus havia somente onze discípulos. Ao ver a conversa emergente no contexto brasileiro se desenvolver não gostaria de ver pessoas concentrando em métodos de crescimento de igreja. Mas gostaria de ver uma ênfase no interesse genuíno das pessoas umas pelas outras. Isto é, o interesse em "ter igrejas maiores" deve ceder ao interesse genuíno pelas pessoas na sua integralidade, incluindo suas realidades e relacionamentos. Incluindo não somente o destino da sua alma após a morte, mas o aqui e agora. O interesse genuíno pelas pessoas teria conseqüências em várias áreas. Um episódio relatado por Spencer Burke ilustra os paradigmas diferentes: “Em uma ocasião, nossa comunidade estava sendo expulsa de um parque por causa da nossa interação com os mendigos. ‘Vocês não podem dar comida aos mendigos aqui; precisam de uma permissão’, falou o policial. Eu respondi, ‘Nós não estamos alimentando os mendigos. Nós estamos fazendo um piquenique. Nós estamos comendo com eles.’”[4].

Neste respeito pelo próximo, gosto do caminho que a conversa emergente tem tomado no hemisfério norte. Várias dessas ênfases se aplicam diretamente ao contexto brasileiro. Em vez de proselitismo vejo uma ênfase na formação de comunidades que demonstram na prática o que é ser discípulo e discípula de Jesus. O respeito ao outro também tem gerado uma preocupação com justiça. Em vez de arrogância e presunção de assumir que se tem todas as respostas vejo respeito e interesse pela história do outro. Em vez de categorias de crentes, crentes mais abençoados que outros, mais santos ou mais proeminentes vejo uma preocupação em incluir todos na conversa. Em vez de super crentes e, pior, super pastores vejo lideranças distribuídas e humildes. Em vez de empurrar um pacotão da salvação procura-se desenvolver relacionamentos com as mais variadas pessoas. Em vez do monólogo vejo o diálogo. Isto é, em vez de só falar vejo um ouvir e falar. Meus pais cresceram com a televisão empurrando informação num só sentido. Hoje os blogs, forums, chats e torpedos tornam o diálogo a norma com a Internet e os celulares. Em vez de sermões pré-fabricados busca-se o "sermão" em meio à interação e ao convívio (ver o livro "Preaching Re-Imagined" de Doug Pagitt). Em vez de sentenças sobre comportamentos pré-processadas vejo pessoas caminhando juntas com responsabilidades mútuas e franqueza.

Gosto também do caminho que a conversa emergente tem tomado na África. O livro “Everything Must Change” de Brian MacLaren registra as palavras de Claude Nikondeha, do Burundi, em Maio de 1994 num encontro de líderes do Burundi, Ruanda, Congo e Uganda: “Cresci indo à igreja o tempo todo, talvez cinco vezes por semana. O que talvez os surpreenda, porém, é saber que durante toda minha infância, em todos os cultos aos quais assisti, eu só ouvi um sermão. [...] O sermão era mais ou menos assim: ‘você é pecador e você vai para o inferno. Você precisa se arrepender e crer em Jesus. Jesus talvez volte hoje, e se ele voltar e você não estiver preparado, você vai queimar para sempre no inferno’. [...] Quando fiquei mais velho, me dei conta de que minha vida inteira tinha por pano de fundo genocídios e violência, pobreza e corrupção. Mais de um milhão de pessoas morreram no meu país numa série de genocídios começando em 1959, e cerca de um milhão em Ruanda [...]. Tanta morte, tanto ódio e falta de confiança entre tribos, tanta pobreza, sofrimento, corrupção e injustiça, e nada nunca mudou. De repente me dei conta de uma coisa. Eu nunca ouvi um sermão que se dirigisse a essas realidades. Será que Deus só se importava em nossas almas irem para o céu depois de morrermos? Nossas barrigas vazias não teriam importância para Deus? [...]” [5]

Tony Jones afirmou no podcast do Emergent Village de 20 de Janeiro de 2008: "Não existe nada do tipo 'essas são as crenças dos emergentes [6]: (preencha aqui)'" (no original: "There's no such thing as 'Emergent's belief: (fill in the blank)"). Para mim isto resume uma característica do movimento emergente: a aparente ausência de crenças. A tempo, esta é uma das características mais debatidas e tida como prejudicial por muitos. Talvez a interpretação mais popular da característica seja mais ou menos assim: não podemos definir o que é a igreja emergente porque no momento em que fizermos isso ela vai parar de emergir (isto é, evoluir). Ou ainda, prescrever declarações de fé seria listar uma série de proposições lógicas que explicam tudo o que cremos. Isto é o que a igreja fez no modernismo com a presunção de que conseguiria conceber tudo incluindo o próprio Deus. Tais declarações, conceitos e prescrições fundamentalmente criariam limites de interpretação teológica, além de serem intrinsecamente míopes conforme a semântica de quem os criou. E mesmo que fosse possível compilar uma lista de proposições, não faria sentido portar definições de igrejas locais para outras, porque cada comunidade é única. Comunidades são encorajadas a descobrir e experimentar por si próprias expressões do evangelho que fazem sentido, na maioria das vezes resgatando e reconstruindo a tradição histórica das suas denominações caso a comunidade tenha essa tradição histórica. Por exemplo, várias comunidades emergentes compõem sua própria liturgia criativamente, incluindo sua próprias músicas. Em vez de enfatizarem apenas a ortodoxia (crença correta), comunidades emergentes enfatizam também a ortoprática (prática correta). Uma outra interpretação da aparente lacuna de crenças seria mais histórica. A transição do modernismo para o pós-modernismo e o fim do período da Cristandade naturalmente leva a igreja no hemisfério norte a reformular vários conceitos e práticas. Sendo a transição um fenômeno social, essas novas comunidades acabaram por adotar valores, ênfases e práticas similares de uma forma paralela e independente umas das outras. Essas comunidades são oriundas de uma ampla gama de denominações. Enquanto o termo “igreja emergente”, que foi artificialmente criado, é abrangente para incluir tais comunidades e características comuns, as lacunas teológicas seriam portanto apenas aparentes já que cada comunidade acaba por definir sua teologia teórica ou praticamente. Penso que esta característica portátil das idéias emergentes permitem-nos pensar melhor nos rumos da conversa emergente no contexto brasileiro. Nossa concepção de mundo e nossa teologia são sempre vistas com os olhos da nossa própria cultura. Elas moldam e dão sentido à linguagem e fazem a associação entre a linguagem e a nossas vidas com suas experiências.

Listo não exaustivamente alguns fatores colaboram para um ambiente propício para a conversa emergente no Brasil: a falta de figuras líderes de credibilidade e um descontentamento com maus exemplos de conduta, a globalização e Internet, pressões sociais e cultura mais comunal.

O primeiro ponto ao meu ver tem um contexto histórico genérico e um outro componente específico do meio evangélico brasileiro. O período de ditadura militar no Brasil foi um período de violência, polarização, tortura e suspensão da democracia. Como diz a wikipedia, “O ufanismo generalizado pelo regime militar acabou tendo conseqüências gravíssimas para a cultura nacional. Como o governo passou a associar tudo que era bom do Brasil ao regime militar, o povo passou a imediatamente rejeitar tudo que era nacional. Além disso, a entrada dos produtos norte-americanos, e lançamentos de modismos entre os jovens, fizeram que após a abertura política, as rádios fossem invadidas com músicas estrangeiras, [e] o cinema nacional começou a decair”. Após anos de chumbo, as esperanças da retomada da democracia e de um primeiro presidente civil em 1985 morrem com Tancredo Neves. Anos depois levanta-se Collor. Um presidente jovem, moderno que anda de jetski, “o caçador de marajás”. Mas ele mesmo é corrupto. Só os jardins da sua casa custaram US$ 2,5 milhões. Impeachment nele. Depois morre Ayrton Senna. Lá se vai mais um super-herói. Depois vem Lula, o primeiro presidente “de esquerda” por assim dizer. Existem grandes expectativas de soluções para a crise social. Após mais escândalos de corrupção (Correios, venda de dossiê em SP, Lulinha e Telemar, cartões corporativos) a figura de Lula se desgasta, e a figura de super-herói e a esperança se desfazem para muitos. Talvez algum historiador possa explicar melhor este ponto, mas a idéia é de que vez após vez as projeções de heróis idealizados se destroem e a dura realidade cotidiana continua. Especulo que diante deste grande e complexo quadro a massa evangélica não tenha muito o que dizer além de declarar mais alto que “O Brasil é do Senhor Jesus”, sem saber ao certo o que isto queira dizer.

Dentro do próprio meio evangélico, a “queda” de Caio Fábio também frustrou a esperança de muitos. Infelizmente a palavra “evangélico” é associada por muitos a problemas de conduta. Isto é irônico, uma vez que um dos meios de evangelização mais enfatizados pelos evangélicos seja justamente o testemunho através da moral. Isto é, não dançar, não fumar, não ir a festas e não fazer sexo antes do casamento seriam instrumentos de evangelização, mostrando uma “vida de santidade” e conduta, uma vida separada do mundo que atrairia os não-crentes. Contudo o tiro sai pela culatra quando a população vê as indulgências da Igreja Universal do Reino de Deus, dólares escondidos na Bíblia por Sônia e Estevam Hernandes, o escândalo das sangue-sugas que envolveu vários políticos evangélicos, ou o deputado e pastor Mário de Oliveira aparentemente planejando matar o pastor colega Carlos Willian. Em vez de verem os evangélicos como exemplar vêem-nos como hipócritas ou charlatões. Dentro dos evangélicos, portanto, parece haver uma espécie de descontentamento sem nome e orgânico. Por exemplo, várias pessoas que conheço dão a entender que por causa do desgaste da imagem do “evangélico” pretendem passar a autodenominarem-se “cristãs”. Não dizem que mudarão suas crenças, mas que gostariam de ter um outro rótulo. Semelhantemente, nos Estados Unidos o termo “evangelical” passa por uma crise. Michael Patton comenta o desgaste do termo nos Estados Unidos: “Tem pessoas falando já faz 15 anos que a igreja evangélica tem poucos anos de vida sobrando.[7] E ela precisa ser ‘reavivada’[8]. Pode ser ‘reavivada’? Precisa de uma mudança de nome? Eu não sei. [...] O problema é o seguinte: a mídia [...] tomou posse da capacidade de caracterizar quem quer que seja da forma que querem. Os evangélicos perderam várias características. Este talvez seja um termo que não tem mais recuperação”.[9] O site de redes de relacionamento Orkut contém comunidades com nomes do tipo “Sou Cristão apesar da igreja”. O músico João Alexandre expressa sua incompatibilidade e frustração compartilhadas por muitos outros na música “É Proibido Pensar” do CD de mesmo nome por não conseguir “se encaixar nesse esquema”.

A globalização e a Internet podem ser vistas como agentes catalizadores de mudanças. Por um lado tornam o mundo menor, facilitando o contato entre as pessoas e novos tipos de relacionamentos. A Internet, por sua vez, é vista por alguns como um elemento de mudança social abrupta, de proporções semelhantes à transição da tradição oral para a escrita. Pessoas criam identidades novas numa nova dimensão digital, e o conceito de “comunidade”, portanto, muda. Considerando esses fatores, grupos diferentes esforçam-se por entender as conseqüências da era digital no conceito de ‘igreja’, como o projeto Wikiklesia [10]. No Brasil, o Wiki Cristianismo[11] é uma enciclopédia que, por ser um wiki[12], fomenta a participação coletiva em suas definições. Enquanto idéias de igrejas virtuais e “realidade virtual” tendam a ser categorizadas como estranhas por várias pessoas, o fato é que emails, torpedos, chats, blogs, sites de redes sociais e fóruns mudaram a forma das pessoas se comunicarem e relacionarem. Rachelle Mee-Chapman, da igreja Thursday PM, de Seattle, EUA, afirma:

“Meu blog[13] é meu púlpito. Eu raramente prego numa igreja. É no blog onde questões teológicas são discutidas” [14]

Por “cultura mais comunal” quero dizer que de forma genérica em comparação com certos países do hemisfério norte o Brasil tem uma cultura menos individualista. Não saberia dizer se um instinto coletivo de sobrevivência em meio a duras dificuldades tenha desenvolvido este espírito cooperativo ou se a coisa simplesmente não tem muita explicação. Enquanto no Brasil a comadre ainda pede emprestado açúcar à comadre vizinha, pessoas em países com os Estados Unidos se isolam bastante nos seus subúrbios, sem muitas vezes saberem o nome de seus vizinhos. Enquanto o brasileiro aparece na casa do amigo sem avisar e ainda fila uma bóia, o canadense (inglês) liga uma semana antes para o amigo chegado para agendar uma visita. Mas o fato é que Igrejas emergentes no hemisfério norte “lideraram como corpo” por buscarem conscientemente a participação de todos e por repensarem liderança. A idéia para a conversa emergente no Brasil é de aproveitar o espírito comunal e de cooperação na concepção de comunidades que enfatizam os relacionamentos. Nesse tópico dois desafios aparecem. Formas de lideranças existentes tendem a pôr holofotes na figura do pastor. E a violência desgasta a confiança entre as pessoas, isolando cada vez mais as pessoas.

No contexto brasileiro penso que a conversa emergente incluirá duas correntes: a Evangélica e a “livre”, sendo que na primeira deve-se pensar em vertentes pentecostais. A corrente Evangélica traçaria ainda uma linha histórica ininterrupta com convenções ou mesmo “ministérios independentes”, mesmo quando comunidades emergentes venham a sair de tais denominações. Desta forma a nova comunidade seria mais facilmente identificada como “igreja” como os evangélicos concebem o termo hoje. Certos elementos permaneceriam, como “cultos” em local central de encontro. E a igreja se identificaria como “igreja cristã”. Nesta corrente também poderíamos esperar igrejas ou movimentos que vivem e se desenvolvem dentro de convenções históricas, talvez com suporte das convenções. Nos Estados Unidos, movimentos desse tipo incluem Presbymergent[15], Anglimergent [16], Luthermergent [17], EmergenceUMC (Metodista) [18], e Submergence (Menonita)[19]. Esta ala também incluiria grupos não aceitos em suas denominações, mas que ainda gostariam de manter ligações históricas ou doutrinárias. De fato, alguém constatou que muitas comunidades auto-designadas emergentes mantém suas tradições históricas. Aliás, nos Estados Unidos este tipo de comunidade mantém com mais interesse e mais deliberadamente tradições antigas (desconstruídas e reconstruídas na maioria das vezes principalmente no tocante a liturgia) do que a maioria das igrejas das convenções originárias. Isto contra argumenta insinuações de desconsideração da herança histórica e apostólica por comunidades emergentes. Por corrente “livre” classifico comunidades emergentes de formas e costumes diferentes do que os evangélicos costumam chamar de “igreja”. Seriam grupos de pessoas que querem intencionalmente seguir a Jesus, mas que teriam formas ou estruturas ainda mais alternativas. Aqui teríamos inicialmente mais pessoas vindo de experiências negativas com o establishment. Teríamos uma gama de tipos muito heterogêneos de comunidades. Redes de amigos cristãos e não-cristãos que são intencionais e conscientes nas suas expressões de fé e que têm algum nível de responsabilidade mútua. Igrejas nos bares, igreja nos lares, igreja nos ares. Igrejas-cafés. Igrejas-sapatarias. Igrejas-torcidas-organizadas. “Terceiros espaços” como descritos nos livros “The shaping of things to come” e “The Great Giveaway” seriam comuns tanto na corrente evangélica quanto na ‘livre’ (terceiros espaços são lugares “neutros” onde crentes e não-crentes interagem). Espero particularmente ver, em decorrência da conversa emergente no contexto brasileiro, muitos “laboratórios” e “experimentos”. Tais exercícios dariam asas à imaginação e embasariam a conversa emergente com termos práticos. Cito um episódio interessante envolvendo Karen Ward: “Em uma ocasião, depois de gastar horas com ela na Sala de Estar, o bar da igreja, um visitante perguntou a Karen Ward (Igreja dos Apóstolos, de Seattle, [Estados Unidos]: ‘Quando é o culto da sua igreja?’ ‘Você acabou de [vê-lo], respondeu Karen”. [20]

Uma das características interessante da igreja emergente é o fato de “ainda estar emergindo”. Como diz o livro “Emerging Churches”, líderes de igrejas emergentes “talvez olhem mais para trás de onde estão emergindo do que para frente para onde estão emergindo.”[21] Nesta fase primeiro se desmancha o antigo e depois se reconstrói o novo. Nesse processo de desmanche podemos esperar que a linguagem em especial seja repensada e modificada. Podemos esperar críticas à conversa emergente, com acusações de ter tom negativo, ou por não “amar a igreja” ou por desconstruir estruturas eclesiásticas. Desempacotando o discurso negativo nessas ocasiões as pessoas deverão notar que a desconstrução de certas idéias de igreja acontece por tais idéias não serem viáveis na cultura pósmoderna. Nem o evangelho nem a cultura requerem tais expressões de fé. Portanto a nova conversa emergente, as novas comunidades (principalmente as ‘livres’), e os novos líderes precisam ser nutridos e encorajados se desejamos ver o evangelho traduzido e inserido na cultura (brasileira) do século XXI.

A pentecostalização no Brasil tem a capacidade de trazer coisas positivas para a conversa emergente no nível nacional e mundial. As características de crença no sobrenatural e experiência com Deus, em vez da racionalização da fé, têm a simpatia da filosofia pósmoderna. Na verdade, muitos americanos evangélicos (“tradicionais”, como nós brasileiros os classificaríamos) e ingleses admiram tais características. Isto pode ser um item de diálogo entre os hemisférios norte e sul. A pentecostalização também é fator comum com a África [22], onde a conversa emergente se desenvolve (ver também os capítulos iniciais do livro “Everything Must Change” de Brian MacLaren).

Certas pessoas migram de comunidades tradicionais para pentecostais motivadas por descontentamentos e anseios de mudanças nas comunidades originais, não tanto pela atração da doutrina pentecostal. Às vezes se frustram com a burocracia de suas denominações originais, ou com a liturgia aparentemente antiga, ou com a conduta de seus líderes, ou com a incapacidade da igreja e pastores de comunicarem em uma linguagem relevante. Este seria um grupo que provavelmente gostaria de considerar uma das duas correntes emergentes nas versões não-pentecostais. E desconfio haver um grupo maior: os dos pentecostais não contentes com a alienação da cultura, linguagem desconexa do cotidiano, conduta de líderes e desconsideração para com problemas sociais. Este seria um grupo que provavelmente gostaria de considerar uma das duas correntes emergentes nas versões pentecostais.

Sugiro quatro temas-abacaxi para a conversa emergente no Brasil: teologia da prosperidade, divisão entre sacro e profano, resgate da brasilidade, liderança.

A teologia da prosperidade surge no contexto histórico citado acima, de problemas sociais e má distribuição de renda. Nela, o cristão é destinado à prosperidade terrena. [23]É enfatizada pelos neopentecostais (e não os pentecostais propriamente ditos). Particularmente penso que as igrejas emergentes deveriam rejeitar a teologia da prosperidade como uma versão da lei de Gérson. Por trás da teologia da prosperidade reside a idéia de que o indivíduo deve ganhar mais dinheiro a qualquer custo. Na idéia se exclui o próximo. E por a pessoa ser predestinada para o luxo, muito freqüentemente os fins justificam os meios. Vejo aqui de novo o contexto cultural, em que o instinto de sobrevivência faz as pessoas se virarem. Cavando e tentando achar a raiz do problema avistamos o jeitinho brasileiro e a malandragem. Começamos a identificar problemas profundamente enraizados na cultura brasileira. O que é interessante é que mesmo pessoas que não passam necessidades adotam a lei de Gérson. A penetração do neopentecostalismo na classe média é um exemplo disso. As comunidades emergentes deveriam promover a justiça e eqüidade. Deveriam discernir aonde existe ganância em vez de necessidade. Ao invés de apregoar a teologia da prosperidade, deveriam implementar e demonstrar alternativas comunitárias para a melhoria das condições das pessoas mais pobres.

A divisão entre o sacro e o profano seria outro tópico chave a ser abordado pela conversa emergente. Muito freqüentemente igrejas apregoam uma “saída do mundo”. Esta saída não significa necessariamente um processo de santificação, nem a abstinência do pecado, mas sim uma criação de uma subcultura evangélica que existe em função de si em oposição a quaisquer alternativas. O crente então é ensinado a se refugiar da cultura original que é vilificada, vestindo uma nova subcultura evangélica. Assim a matriz concebe crentes alienados da cultura. Nesse ponto é importante a conversa emergente incluir o tema da incarnação de Jesus, isto é, o fato de Deus ter se tornado homem, ter se inserido numa cultura, ter entrado na nossa dimensão, ter se relacionado com pessoas (João 3:16 afirma que Deus amou o mundo). Os emergentes lembram que “ao SENHOR Deus pertencem o mundo e tudo o que nele existe; a terra e todos os seres vivos que nela vivem são dele.” (Salmos 21:1). Portanto não existe divisão entre sacro e profano. Nossas vidas não são segmentadas, mas sim um todo. Em vez de monopolizarmos a concepção e a obra de Deus, somos convidados como igreja a identificar os mais variados frontes onde Deus está trabalhando para promoção de seu Reino e a participarmos nesta obra. A idéia é chave para o resgate da nossa própria identidade e cultura brasileiras.

A busca da brasilidade decorre da missão de Deus (Missio Dei). Este é um ponto crucial, uma vez que diz respeito à relevância do evangelho numa determinada cultura[24]. Tendo o Filho se encarnado , a igreja também é chamada a se encarnar na cultura local. Logo, a conversa emergente tem a oportunidade de viver o evangelho “em bom Português”. Neste tópico tenho apenas sugestões inciais, sem ter a presunção de ser exaustivo. Sugiro a inclusão do tema em seminários teológicos, convenções denominacionais, novos livros e em publicações de teólogos nacionais, para que haja mais discussões teológicas saudáveis sobre o assunto. (Me interesso particularmente no uso da linguagem. Nesse tópico recomendo especialmente o livro “How (not) to Speak of God”, de Peter Rollins). A revista Time Magazine de 1963 cita o teólogo Karl Barth: “40 anos atrás Karl Barth aconselhou 40 teólogos jovens ‘a pegarem suas Bíblias e seus jornais, e a lerem ambos. Mas interpretem os jornais a partir da Bíblia” [25] Sugiro o uso das artes com expressões nacionais pelas comunidades. Embora seja difícil de definir o que é genuinamente brasileiro, isto não é problema. De uma forma ou de outra é fácil identificar intuitivamente nas artes características brasileiras. Na música sugiro o uso da linguagem cotidiana, o uso de instrumentos típicos brasileiros, o uso de ritmos e linhas melódicas tipicamente brasileiros. Imaginemos mais repentistas e declamadores nos cultos. Caberiam ainda experimentos na arquitetura. Imaginemos igrejas-CTGs[26]. E por que não conciliar o futebol à liturgia? Por que não cultos em que se ora por ambos os times da cidade antes de jogos? No tópico de resgate da brasilidade sugiro ainda uma maior introdução de elementos afros na liturgia. Imaginemos mudanças na música, na dança e na arquitetura com elementos afros; imaginemos mudanças na ceia (Eucaristia). Pensemos em expressões indígenas na liturgia. Em uma alta interação e mais profunda compreensão da cultura indígena brasileira, ao invés de “mandar missionários e tchau, boa sorte, meu filho. Mande fotos dos selvagens”. (Logo abaixo cito missões reversas). Algumas vezes comunidades indígenas se encontram em situação de mendicância nas cidades. Pensemos, finalmente, que a contextualização brasileira deve ir além da liturgia: a igreja deve entender os anseios do povo brasileiro e ser capaz de comunicar “boas notícias” na mesma dimensão e linguagem.

Liderar como corpo tem implicações diretas em liderança. A idéia de comunidade é muito forte nas igrejas emergentes. Já foi dito que a trindade é essencialmente uma comunidade. A igreja deve ser, portanto, comunitária. Liderança é outro tema importante na conversa emergente. Especularia que um certo número de pastores atuais busca sucesso, dinheiro e status usando igrejas. Este seria mais um sintoma de que algumas instituições eclesiásticas existiriam mais em função de si mesmas do que em função da missão do Reino. O respeito e a vontade de servir ao outro leva as comunidades emergentes a ter uma forma de liderança diferente. Penso que o movimento emergente no Brasil pode crescer “de baixo pra cima” (“bottom-up”) em vez de “de cima pra baixo”. Como trata o capítulo 10 do livro “Emerging Churches”, as igrejas emergentes “lideram como um corpo”. A figura do pastor não é suprimida, mas repensada. Idéias de pastores como gerentes de uma empresa são substituídas. No modernismo há a produção de conceitos para crentes consumidores. No pós-modernismo as promessas de felicidade e satisfação apregoadas por propagandas, spams e telemarketing são filtradas rapidamente. A avalanche de dados da Internet também. As pessoas na pós-modernidade desconfiam de verdades mastigadas e empurradas. Ao contrário, preferem ver verdades demonstradas, e desejam experimentá-las em primeira mão. Líderes manipulativos, portanto, não têm lugar. Liderança baseada em poder, controle e submissão à autoridade são características de igrejas modernas. Grandes demonstrações de muitos fatos colecionados e proposições lógicas não impressionam. A concentração e o monopólio de conhecimentos são substituídos pela idéia de acesso livre e distribuído à informação, como na Internet. As pessoas buscam a caminhada em conjunto e, novamente, a vivência dos conceitos. Não há um líder que toma decisões unilaterais, mas todos, de uma forma ou de outra, são convidados a participarem em decisões coletivas. “A igreja deve se parecer com a beleza de Deus ao demonstrar uma comunidade pacífica através na não-hierarquia do sacerdócio de todos os crentes. [...] Líderes se deparam com os grandes desafios de buscar o Reino e motivar outros a também fazê-lo, sem contudo usar a ferramenta principal da modernidade: controle.”[27] Kester Brewin da comunidade Vaux de Londres afirma: “Eu acredito em liderança. Pessoas precisam de direção. Mas nós precisamos achar modelos de liderança que não tenham nada a ver com poder”[28]. “Pastores devem ir além da retórica do sacerdócio universal. ‘Todo membro é um ministro.’ Você pode pregar isso umas vezes num ano do púlpito. Mas é você quem ainda está no púlpito, e você ainda está encontrando as pessoas no seu escritório, ao marcarem reuniões com sua secretária.”[29] Princípios básicos de responsabilidades mútuas seriam interessantes.

Os seminários teológicos, portanto, deveriam repensar a formação de líderes. Poderiam ter canais de comunicação direta com comunidades (cristãs e “comuns”), para entender melhor como líderes podem ajudar melhor as comunidades. Poderiam ter mais intercâmbio com outras faculdades das áreas das humanas, como a sociologia. Poderiam estimular e apoiar jovens em estágios emergentes. Poderiam publicar mais artigos na Internet e ter mais blogs e podcasts. Poderiam apoiar extensões e envolver mais “leigos”. Poderiam rever missiologia aplicada ao contexto brasileiro. E deveriam requerer que seus alunos e professores lessem mais livros sobre a igreja emergente.

Na verdade a disponibilidade de livros sobre a conversa emergente em Português é uma necessidade urgente. Convido as editoras a publicarem mais livros sobre o tema. Convido o leitor a procurar os livros citados no Renovatio Café[30] e no Wiki Emergente[31].

A conversa emergente no Brasil pode interagir com as outras conversas emergentes que têm ocorrido em outras regiões. Conversas dos Estados Unidos e do continente africano seriam interessantes, ao meu ver. Os Estados Unidos passam por grandes mudanças culturais. O número de pessoas que vão a uma igreja vem decaindo desde os anos 60, com percentagens mínimas entre jovens. A conversa emergente tem um alto respeito por outras culturas. Tenho lido e ouvido a palavra “pós-colonialismo” várias vezes, o que é um bom sinal. Nos capítulos iniciais do livro “Everything Must Change”, Brian MacLaren relata sua visita ao Burundi, onde encontrou um grupo de 55 líderes jovens. Lembro-me de ouví-lo comentar em um podcast que foi mais para ouvir do que falar. Talvez mais americanos estejam interessados em “viagens missionárias reversas”. Seria muito interessante os brasileiros terem conversas com a África. Como foi aludido anteriormente, violência, pobreza, sofrimento, corrupção, e injustiça são palavras conhecidas dos dois lados do Atlântico. Amahoro[32] é uma organização chave na conversa emergente africana. Além dos Estados Unidos e África, seria interessante envolver países latinoamericanos nesta conversa também. La Red del Camino [33] é uma organização citada. Em qualquer conversa distribuída geograficamente, programas de computador simples são úteis. Skype pode ser usados para comunicação por voz. Programas de chat como Windows Live Messenger ou Yahoo Messenger podem ser usados com tradução simultânea. Blogs bilíngües também seriam proveitosos no diálogo.

Neste texto refleti sobre a situação da igreja evangélica no Brasil e sugeri tópicos a serem abordados na conversa emergente pensando no contexto brasileiro. Diante de tanta informação e idéias talvez o leitor se sinta sem saber “por onde começar”. A conversa emergente é uma caminhada, e estamos todos no início. Sinta-se convidado a participar desta conversa. Meu conselho aos leitores que começam a se familiarizar com as idéias é de que invistam tempo na leitura e na prática.



[1] http://www.the-next-wave-ezine.info/issue109/

[2] http://www.administradores.com.br/noticias/brasil_melhora_em_ranking_de_distribuicao_de_renda/10239/

[3] No texto uso e abuso das aspas. Isto me pareceu necessário, já que o evangeliquês tem a maioria de seus termos desgastados.

[4] “Emerging Churches”, p. 135

[5] “Everything Must Change”, p. 18, 19

[6] uma distinção entre "Emergent" e "emerging" está fora de escopo deste artigo

[7] Lembremos que trata-se do contexto americano

[8] Não no sentido Pentecostal, no contexto

[9] Theology Unplugged podcast, “Emerging Church part 7”, 4 de Maio de 2007

[10] http://wikiklesia.wikidot.com/

[11] http://cristianismo.wikia.com/

[12] ‘Wiki’ é um site em que o conteúdo é criado e modificado pelo público em geral. Curiosamente o conteúdo não tende ao caos, mas a uma grande quantidade de informação relevante. O wiki mais conhecido é o Wikipedia.

[13] ‘Blog’ é uma espécie de diário que é publicado na Internet

[14] “Emerging Churches: Creating Christian Community in Postmodern Cultures”, p.165

[15] http://presbymergent.org/

[16] http://anglimergent.ning.com/

[17] http://luthermergent.ning.com/

[18] http://emergingumc.blogspot.com/

[19] http://submergent.org/

[20] “Emerging Churches”, p. 89

[21] “Emerging Churches”, p. 28

[22] http://www.amahoro-africa.org/

[23] http://cristianismo.wikia.com/wiki/Pentecostalismo

[24] http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Frost

[25] http://libweb.ptsem.edu/collections/barth/faq/quotes.aspx?menu=296&subText=468

[26] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ctg

[27] “Emerging Churches”, p. 192

[28] “Emerging Churches”, p. 199

[29] Paul Roberts da comunidade Resonance, Bristol, Inglaterra, citação do livro “Emerging Churches” p. 193

[30] http://www.renovatiocafe.com/

[31] http://emergente.pbwiki.com/

[32] http://amahoro-africa.org/

[33] http://www.lareddelcamino.net/

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