"Em contraste com Verdade, o termo 'verdade' pode ser tido como relacionado a afirmações de fato acerca da realidade. Diferentemente do Real, 'realidade' é um termo que refere-se ao mundo como nós o experimentamos. Aqui discussões metafísicas são abandonadas em favor de discussões sobre como nós interpretamos e interagimos com o mundo. Por exemplo, alguém pode não ter nenhuma opinião sobre se Deus existe ou não, mas alguém pode ainda assim fazer afirmações com sentido sobre tais coisas como o número de pessoas que se casou em um determinado país em uma determinada hora ou o efeito a longo prazo das emissões de carbono.
O trabalho até aqui pode parecer sugerir que Verdade não tem lugar dentro do Cristianismo, pois enquanto tal visão não nega sua existência, o fato de que a Verdade (Deus) nunca pode ser concebida em última instância leva a uma erosão do absolutismo que cria um espaço para que o relativismo crie raízes. Contudo um dos principais problemas com tal preocupação é a forma que ela pressupõem uma visão do conhecimento e da verdade que tem mais em comum com Atenas do que com Jerusalém. Embora as visões acima de verdade (em ambas formas maiúscula e minúscula) sejam importantes e ofereçam várias compreensões, esses métodos influenciados pelos Gregos vêem questões sobre verdade e conhecimento de uma maneira fundamentalmente diferente do que aquela encontrada na tradição Judaico-Cristã. Ao invés de descrever o Real ou a realidade, pode-se dizer que a ideia Cristã de 'conhecer a verdade' opera em uma dimensão completamente diferente. Pois ao contrário das perspectivas anteriores que fazem referência à capacidade de fazer afirmações descritivas e substantivas sobre o Real ou a realidade, a visão Judaico-Cristã de verdade se preocupa com ter um relacionamento com o Real (Deus) que resulta em nós transformando a realidade. A ênfase não está portanto em descrição mas em transformação. Esta perspectiva dá um curto-circuito no longo debate redundante sobre se a verdade é subjetiva ou objetiva, pois aqui Verdade é o Real inconcebível (objetivo) que transforma o indivíduo (subjetivo).
Embora o Cristianismo possa fazer uso desses outros discursos, a noção primária de verdade dentro do Cristianismo está diretamente conectada com libertação e transformação ao invés de descrição objetiva. Por exemplo, quando nós lemos que Cristo é a verdade e que conhecer a verdade nos libertará, nós nos vemos face à face com a verdade, não como a afirmação objetiva de uma proposição (como se isso libertasse alguém), mas ao invés como aquilo que advém de um encontro que dá vida. A Verdade no Cristianismo não é descrita, mas experimentada. Isto não é então a afirmação de alguma descrição objetiva sobre Verdade mas ao invés descreve a relação com a Verdade. Em outras palavras, a Verdade é Deus e ter tal conhecimento da Verdade é evidenciado não em um sistema doutrinário mas em deixar que a Verdade seja encarnada na vida da pessoa. Portanto, esta alegação de Cristo não é uma forma de alegar que algum sistema teórico trará nova vida, mas uma forma de dizer que ao entrar em um relacionamento com Deus nós acharemos libertação. Conhecer a Verdade é portanto ser conhecido e transformado pela Verdade."
"How (not) to Speak of God". Peter Rollins. Paraclete Press, 2006. páginas 59 a 60.
Tradução livre de Gustavo K-fé Frederico
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