'Todo conhecimento coloca o problema da verdade. Pois quando conhecemos, sempre nos perguntamos se o enunciado corresponde ou não à realidade.
Comecemos distinguindo verdade e realidade. Na linguagem cotidiana, frequentemente os dois conceitos são confundidos. Se nos referimos a um colar, a um quadro, a um dente, só podemos afirmar que são reais e não verdadeiros ou falsos, devemos reconhecer que o "falso" colar é uma verdadeira bijuteria e o dente um verdadeiro dente postiço.
Isso porque a falsidade ou a veracidade não estão na coisa mesma, mas no juízo, e portanto no valor da nossa afirmação. Há verdade ou não dependendo de como a coisa aparece para o sujeito que conhece. Por isso dizemos que algo é verdadeiro quando é o que parece ser.
Assim, ao beber o líquido escuro que me parecia café, descubro que o "falso" café é uma verdadeira cevada. A verdade ou falcidade existe apenas no juízo "este líquido é café", no qual se estabelece o vínculo entre sujeito e objeto, típico do processo do conhecimento.
Resta portanto saber o que [e a verdade enquanto juízo a respeito da realidade. Para os escolásticos, filósofos medievais, "a verdade é a adequação do nosso pensamento às coisas". O juízo seria verdadeiro se a representação fosse cópia fiel do objeto representado.. Essa definição sofreu posteriormente inúmeras críticas, sobretudo quando, a partir da Idade Moderna, rompeu-se a crença de que a realidade do mundo aí está para ser conhecida na sua transparência. Afinal, a questão é mais complexa: como julgar a verdade da representação do real pelo pensamento? Ou seja, como saber se a definição mesma de verdade é verdadeira? Além disso, a filosofia moderna vai questionar a possibilidade mesma de conhecimento do real.
Isso nos remete para a discussão a respeito do critério da verdade. Qual o sinal que permite reconhecer a verdade e distinguila do erro? Não pretendemos analisar passo a passo as discordâncias dos autores a respeito do assunto [...]
Para Descartes, o critério da verdade é a evidência. Evidente é toda ideia clara e distinta, que se impõe imediatamente e por si só ao espírito. Trata-se de uma evidência resultante da intuição intelectual.
Para Nietzsche é verdadeiro tudo o que contribui para fomentar a vida da espécie e falso tudo o que é obstáculo ao seu desenvolvimento.
Para o pragmatismo (William James, Dewey, Perice), a prática é o critério da verdade. Nesse caso, a verdade de uma proposição se estabelece a partir de seus efeitos, dos resultados práticos.
Nos dois últimos casos (Nietzsche e pragmatismo), o critério da verdade deixa de ser um valor racional e adquire um valor de existência, que pode ser sintetizado na frase de Saint-Exupery: "A verdade para o homem é o que faz dele um homem".'
Trecho do livro "Filosofando: Introdução à Filosofia" de Maria de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, editora Moderna.
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